{fonte: http://casadaxiclet.com/sobre/ e http://novo.itaucultural.org.br/materiacontinuum/abril-maio-2010-casa-em-obras/}
A Casa da Xiclet é uma galeria de arte e também uma residência. A presença de uma transforma a outra – a galeria é diferente por causa da casa e a casa é diferente por causa da galeria. Além disso, a partir da consciência desse processo, existe a perspectiva da galeria-casa como obra.
O conteúdo da ‘obra’ deriva de três espaços: O espaço da galeria (galpão chamado Let´s Xic) e o que lhe diz respeito, ou seja, sua política; sua organização; seus temas; suas exposições e mostras, as pessoas envolvidas e suas atuações diversas; a sua divulgação,a sua comunicação com a mídia e através dela, com o circuito da arte, etc. O espaço da casa, ou seja, o quarto, a cozinha, o banheiro, os utensílios domésticos, a privacidade de quem mora ali, o respeito que se tem ao entrar na casa de alguém, a educação, e também a informalidade, a intimidade entre as pessoas, a praticidade, e a possibilidade de ócio, etc. E o terceiro espaço é o da identidade daquele lugar, onde a casa e a galeria se fundem, uma vez que o limite entre elas é flexível e pode se esgarçar ou se atenuar, conforme as circunstâncias. Este terceiro espaço cresce em conteúdo na medida em que se vive nele, o que permite o compreender e o constituir.
A programação do espaço inclui exposições de artes, espetáculos musicais, projeção de filmes, eventos, jogos, festas, palestras e oficinas. TUDO EM UM AMBIENTE CASEIRO ONDE SE PODE VIVENCIAR O LAZER CULTURAL. Não é underground é Playground! e Não é Ponto de Cultura, é Ponto de Interrogação.
A compreensão deste espaço híbrido se expressa muitas vezes através dos slogans e das divulgações da casa, assim como nos próprios temas das exposições. Estes, a partir de uma posição crítica e ideológica, desvelam esse conteúdo gradualmente. Por exemplo: A exposição que normalmente ocorre em janeiro / fevereiro propõe aos artistas participantes que pensem em obras que envolvam o jogo e interatividade, e ao mesmo tempo, comenta a questão do ressurgimento da aura através de uma crítica ao status ‘underground’: o slogan da exposição é “NÃO É UNDERGROUND , É PLAYGROUND”. O underground se tornou uma marca, uma maquiagem.
O playground por sua vez é um espaço que não tem a menor autonomia, que depende do exercício de ações dentro dele, podendo ocupar espaços variados como o de um tanque de areia, de uma casa, de um quintal, de uma calçada na rua ou de um parque mas onde sobretudo, sua caracterização depende das atividades ali desprendidas.Um fator importante diz respeito à acessibilidade da casa, que abre inscrições, mediante um valor que é cobrado, indiscriminadamente, para quem quiser participar.
A casa trabalha com um amplo espectro tanto quantitativamente quanto qualitativamente. São muitos artistas. Enquanto uma galeria convencional trabalha com quinze ou vinte artistas por ano, a casa da xiclet trabalha com quinze ou vinte artistas por mês. Além disso, por não haver seleção de obras, há essa variante qualitativa, onde encontramos tanto trabalhos situados no atual contexto de produção de arte contemporânea, a par de suas discussões, quanto pinturas de ‘praça da república’. Há ali publicitários, fotógrafos, médicos, donas-de-casa, adolescentes, cineastas, coletivos, anônimos, desempregados, e todo o tipo de artistas, em fim, muita gente diferente expondo.
DESSA MANEIRA, O ESPAÇO DA GALERIA DE ARTE NÃO NOS DIZ O QUE É ARTE E O QUE NÃO É, NÃO DETÉM ESTE PODER NEM ASSUME ESSE PAPEL, E A EXPERIÊNCIA É MAIS RICA POR CAUSA DISSO.
A experiência se enriquece na medida em que o público (que também é visita) está livre de uma relação imperativa. Surge um contexto propício para o aprendizado, e para uma compreensão das obras que não a partir de seu status de elevação, mas de seu conteúdo, que nesse contexto se sobressai.
A casa como obra vai contra qualquer noção de “obra” fechada em si mesma. É imaterial, é um conjunto de relações, de pessoas, de acontecimentos. Mas é também a favor de todas as obras que possam surgir nesse espaço cujo valor definitivo é a convivência.
O fato de não haver um imperativo ‘arte’ por meio de uma espécie de diluição desta com o espaço comum da vida e pela heterogeneidade dada pela política de não-seleção é de suma importância em uma análise de estratégias de desmistificação. Essa política se expressa num slogan da casa, “SEM-CURADORIA, SEM-SELEÇÃO, SEM-JUROS, SEM-JABÁ, SEM-ENTRADA , SEM-PATROCINADOR E SEM-SAÍDA”.
O processo de criação surge da vivência contínua e da manutenção desta; da possibilidade de ócio, durante o almoço, tomando cerveja, da informalidade, nascem as melhores idéias. Foi o caso do nome da ‘Auto-Escola’, setor educativo da casa que se dedica à criação de cursos e oficinas, e disponibiliza um espaço gratuito para artistas que apresentarem projetos, e funciona como uma auto-gestão independente da galeria. Há uma tendência clara em brincar com as palavras e com humor.
Outra tendência forte é a de usar o próprio circuito ‘oficial’ das artes e seus “conceitos” como material de trabalho. A mostra de arte eletrônica ‘FILE’, que ocorre anualmente em São Paulo, por exemplo, foi material para a casa da Xiclet criar a sua própria versão paródica, intitulada X-Filet (X Festival Internacional da Linguagem Eletrônica Tutti-Frutti). O cartaz dessa exposição é uma seqüência de imagens xerocadas de um contra-filé. Outro exemplo foi a ‘resposta’ da casa da xiclet à bienal vazia: uma mostra coletiva intitulada “Bienal: To Cheia”.
Dessa forma é comum que a programação da casa tenha um paralelo com a programação das instituições do circuito. Mas a Xiclet persiste: “NÃO É PARALELO, É VERTICAL”, driblando com criatividade o perigo de se cair na mesma armadilha do ‘underground’.
A ameaça à noção de aura está contida na negação de seu emprego como pedestal-muleta ou como afirmação imperativa de ‘ISSO É ARTE, ISSO NÃO É ARTE’. Em face da dinâmica da casa, a aura perde totalmente sua função.