Tim Ingold

Enviado por aarquivista, seg, 2019-11-18 10:43

Aberdeen

{do site http://www.ufrgs.br/ner/index.php/estante/visoes-a-posicoes/1-seminario-de-tim-ingold}

 

O antropólogo britânico Tim Ingold esteve em 2011 pela primeira vez no Brasil e seu trajeto incluiu Porto Alegre, onde proferiu conferência e participou de um seminário sobre o tema Cultura, percepção e ambiente. Carlos Alberto Steil e Isabel Carvalho publicaram, a propósito da vinda de Ingold, um texto no jornal Zero Hora, que reproduzimos aqui. 

Em sua primeira visita ao Brasil, estará em Porto Alegre, nos próximos dias, o antropólogo britânico Tim Ingold. Virá para um seminário e uma conferência sobre o tema Cultura, percepção e ambiente. Estas atividades estão sendo promovidos pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS  e o Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. O seminário se realizará nos dias 10 e 11, no Campus do Vale (UFRGS), e a conferência no dia 13 de outubro, na PUCRS.

Ingold é um importante pensador contemporâneo com grande reconhecimento na área da antropologia pelo caráter inovador e provocativo da sua reflexão sobre questões centrais e pressupostos basilares das ciências modernas. A partir de um questionamento radical da dicotomia entre natureza e cultura, enquanto domínios ontológicos, ele propõe um novo paradigma que denomina de antropologia ecológica. Esta proposição vem repercutindo significativamente noutras áreas do conhecimento, como a educação, a biologia, a psicologia, a arquitetura, a geografia e a arqueologia, estabelecendo um diálogo profícuo entre as ciências humanas e as ciências naturais.

Inspirado pela fenomenologia de Merleau-Ponty e pelas etnografias de povos caçadores e coletores do círculo polar ártico, que ele estudou por um longo tempo, afirma que o conhecimento depende fundamentalmente da imersão dos sujeitos na tessitura dos fenômenos do mundo. Seu argumento vai no sentido de afirmar que o conhecimento consiste, em primeiro lugar, em habilidades, que são adquiridas na prática e não em informações que são passadas de geração a geração. Assim, a contribuição de uma geração às suas sucessoras se dá fundamentalmente por meio da educação da atenção” (Ingold 2010, p. 19).

É na paisagem, constituída pelos traços que lhe foram imprimindo aqueles que a habitaram anteriormente e que a habitam no momento, que o conhecimento pode ser acessado. Ou seja, o conhecimento não se processa “dentro de um sacrário mental interior, protegido das múltiplas esferas da vida prática, mas em um mundo real de pessoas, objetos e relacionamentos”. E, citando Andy Clark, ele conclui que “a mente é um ‘órgão incontinente’ que não admite ficar confinado dentro do crânio, mas que se mistura despudoradamente com o corpo e o mundo no conduto de suas operações” (Ingold 2010, p. 19). Assim, não é absorvendo representações mentais ou elaborando esquemas conceituais que nós aprendemos, mas sim, desenvolvendo uma sintonia fina e uma sensibilização de todo o sistema perceptivo. Neste processo cognitivo atuam concomitantemente o cérebro, com suas conexões neurais, os órgãos corporais periféricos, com suas contrações musculares e o ambiente com os aspectos específicos que situam o sujeito no mundo.

Ciência, caça e coleta: conhecer e viver no mundo

Tim Ingold também é um intelectual de referência nas discussões sobre evolução humana. No diálogo com a biologia e a psicologia sobre a compreensão do processo evolutivo, ele nega a ruptura entre a história natural e a história cultural e defende a ideia de uma continuidade entre os processos biológicos e culturais. Como ele mesmo afirma, “a história, compreendida como o movimento pelo qual as pessoas criam os seus ambientes e, portanto, a si mesmas, não é mais do que uma continuação do processo evolucionário” (Ingold 2010, p.17). O seu conceito de taskscape (tarefagem), elaborado em oposição ao conceito corrente de landscape tem sido um recurso para incluir a história e a cultura em seu paradigma ecológico. Ao habitar o mundo, somos envolvidos pelos múltiplos traços históricos e culturais que foram incorporados na paisagem. Estes traços, no entanto, não são uma prerrogativa dos humanos, mas de todos os seres e objetos que habitam o mundo.

À pergunta se haveria algo de especificamente humano que nos distinguiria dos outros seres, a resposta de Ingold é não. A comparação entre os traços deixados pelas formigas na paisagem e os dos humanos, que ele retira de Hutchins, é bastante reveladora de sua posição. Hutchins compara os modos humanos de habitar o planeta aos das formigas, que devem sua habilidade aparentemente inata de localizar fontes de alimento aos rastros deixados no ambiente por suas predecessoras. Apaguem os rastros, e a formiga está perdida. Assim também estariam os humanos no ambiente, sem cultura ou história. E, se a conclusão de Hutchins é que as habilidades das formigas para encontrar alimentos são constituídas dentro de um processo histórico e cultural, a de Ingold é que as habilidades “culturais” dos seres humanos são constituídas dentro de um processo natural e evolutivo (Ingold 2010, p. 14).

Esta continuidade, transposta para o diálogo crítico com a psicologia, sobretudo com a psicologia ecológica de James Gibson, leva-o a negar também a distinção entre o aparato cerebral como inato e o conhecimento como adquirido. Desde este ponto de vista, torna-se impróprio pensar em interfaces entre o cérebro e o ambiente, como áreas de contato entre dois campos exclusivos, visto que cada um está implicado no outro. As estruturas neurológicas e o conhecimento que adquirimos (Ingold diria as habilidades) emergem juntas como momentos complementares de um processo único, ou seja, o processo da vidas das pessoas que habitam o mundo. O conhecimento torna-se, assim, imanente à vida e à consciência do sujeito, na medida em que se processa no campo da prática. Nesta perspectiva a cognição é um processo em tempo real. É neste sentido que Ingold afirma que a contribuição das gerações passadas para as seguintes não se dá pela entrega de um conjunto de informação que adquiriu autonomia em relação ao mundo da vida e da experiência, mas pela criação, por meio de suas atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as gerações presentes desenvolvem suas próprias habilidades (Ingold 2010, p. 21).

Em seus escritos mais recentes Ingold tem enfatizado a continuidade e a simetria entre a experiência humana e dos demais seres que compõem uma determinada paisagem. Distanciando-se das abordagens que procuram fundamentar a especificidade da ação humana na intenção e na capacidade de apartar-se do mundo e de representá-lo, Ingold chama a atenção para a o primado da prática na produção do conhecimento. A chave para se compreender sua posição está em tomar como foco a atividade em si mesma — independente de quem a realiza, humanos ou não-humanos — que resulta em linhas, trilhas, tramas, traços que são incorporados na paisagem. Decorre daí, a possibilidade de desfazer as fronteiras entre processos biológicos e culturais, ao mesmo tempo aproximar os diferentes campos do conhecimento, estabelecendo uma linha de continuidade entre os conhecimentos científico, técnico e tradicional. Em todos eles a produção do conhecimento se dá pelo engajamento e a imersão dos sujeitos no mundo imediato e material da experiência.

A crítica de Ingold à ciência moderna, fundada sobre o primado da razão, centra-se na sua busca incessante de descolamento do mundo da vida e da experiência para apresentar-se como um campo autônomo e autossuficiente que pretende atuar num plano idealizado de generalização e abstração. O paradigma ecológico que ele propõe apresenta-se como uma alternativa a racionalidade pela qual opera a ciência na modernidade. Seu intento, portanto, é ultrapassar a dicotomia dos domínios separados buscando os traços de continuidade e simetria onde a modernidade postulou oposição e distinção. Na avaliação do antropólogo Otávio Velho, a obra de Ingold confere as ciências sociais um estatuto de simetria no diálogo com as ciências naturais. Em suas palavras “não se trata, mais uma vez, de subordinar as ciências sociais às ciências da natureza, mas de realizar uma crítica da ciência ou pelo menos das imagens, poderosas, que se formam a seu respeito” (2001, p.138).

Referências:
VELHO, Otávio. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7(2):133-140, 2001.
INGOLD, Tim. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, jan./abr. 2010.


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