Salários contra o trabalho doméstico

Enviado por aarquivista, seg, 2018-07-02 19:27

Nova Iorque

Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não assalariado.

Eles chamam de frigidez. Nós chamamos de absentismo.

Cada aborto é um acidente de trabalho.

Homossexualidade e heterossexualidade são ambas condições de trabalho… mas a homossexualidade é o controle operário da produção, não o fim do trabalho.

Mais sorrisos? Mais dinheiro. Nada seria tão forte na destruição das capacidades curativas de um sorriso.

Neuroses, suicídios, dessexualização: doenças ocupacionais da dona de casa.

 Muitas vezes as dificuldades e ambiguidades que mulheres expressam discutindo salários pelo trabalho doméstico vêm do fato de que elas reduzem salários pelo trabalho doméstico a uma coisa, um monte de dinheiro, ao invés de ver isso como uma perspectiva política. A diferença entre esses dois pontos de vista é enorme. Ver os salários pelo trabalho doméstico como uma coisa e não como uma perspectiva é desligar  o resultado final da nossa luta da própria luta e deixar escapar sua significância para desmistificar e subverter o papel ao qual as mulheres foram confinadas na sociedade capitalista.

Quando vemos os salários pelo trabalho doméstico dessa maneira reducionista começamos a nos perguntar: que diferença poderia fazer algum dinheiro nas nossas vidas? Podemos até concordar que, para muitas mulheres que não tem nenhuma escolha a não ser o trabalho doméstico e o casamento, isso realmente faria muita diferença. Mas para aquelas de nós que parecem ter outras escolhas – um trabalho profissional, um marido esclarecido, um modo de vida comunal, relações homossexuais ou uma combinação disso tudo – não faria muita diferença. Para nós, supostamente existem outras maneiras de conseguir a independência econômica, e a última coisa que queremos é consegui-la sendo identificadas como donas de casa, um destino que todas concordamos que é, por assim dizer, pior do que a morte. O problema com essa posição é que na nossa imaginação normalmente adicionamos um pouco de dinheiro às vidas de merda que temos e então perguntamos “e daí?”, partindo do princípio falso de que poderíamos, algum dia, conseguir esse dinheiro sem, ao mesmo tempo, revolucionar – no processo de lutar por ele – nossas relações familiares e sociais. Mas se encaramos esses salários de uma perspectiva política, podemos ver que lutar por eles vai produzir uma revolução em nossas vidas e em nosso poder social como mulheres. Também está claro que se pensamos que não “precisamos” desse dinheiro, é porque aceitamos que as formas específicas de prostituição do corpo e da mente,pelas quais conseguimos o dinheiro,escondam nossas necessidades. Como vou tentar mostrar, não apenas os salários pelo trabalho doméstico são uma perspectiva revolucionária, mas são a única perspectiva revolucionária de um ponto de vista feminista.

 

“Um trabalho por amor”

            É importante reconhecer que quando falamos de trabalho doméstico, não estamos falando de um emprego como outro qualquer, mas estamos, sim, falando da mais enraizada manipulação e da mais sutil violência que o capitalismo jamais perpetrou contra qualquer seção da classe trabalhadora. Para falar a verdade, no capitalismo todo trabalhador é manipulado e explorado e a relação dele ou dela com o capital é completamente mistificada. O salário dá a impressão de um negócio justo: você trabalha e recebe um pagamento, logo você e seu patrão recebem cada um o que lhe é devido; enquanto, na realidade, o salário, invés de pagar pelo trabalho que você faz, esconde todo o trabalho não pago que vai para o lucro. Mas o salário pelo menos reconhece que você é um trabalhador, e você pode negociar e lutar sobre e contra os termos e a quantidade desse salário, os termos e a quantidade desse trabalho. Ter um salário significa ser parte de um contrato social, e não há dúvidas a respeito do seu significado: você trabalha, não porque gosta ou porque é algo natural para você, mas porque é a única condição na qual é permitido que você viva. Por mais explorado que você seja, você não é aquele trabalho. Hoje você é um carteiro, amanhã um motorista de táxi. Tudo o que importa é o quanto daquele trabalho você tem que fazer e quanto dinheiro você consegue com isso.

A diferença com o trabalho doméstico está no fato de que ele não apenas foi imposto às mulheres, mas foi transformado em um atributo natural de nossa mente e personalidade femininas, uma necessidade interna, uma aspiração, que supostamente vem do fundo de nosso caráter feminino. O trabalho doméstico foi transformando em um atributo natural, ao invés de ser reconhecido como trabalho, porque estava destinado a não ser assalariado. O capital teve que nos convencer de que essa é uma atividade natural, inevitável e até mesmo realizadora, para nos fazer aceitar trabalhar sem salários. Por sua vez, a condição não assalariada do trabalho doméstico tem sido a arma mais poderosa no reforço da pressuposição comum de que o trabalho doméstico não é trabalho, evitando, dessa maneira, que as mulheres lutassem contra ele, a não ser na disputa privatizada da cozinha e do quarto, que toda a sociedade concorda em ridicularizar, com isso diminuindo ainda mais a protagonista de uma luta. Somos vistas como putas reclamonas, não como trabalhadoras em luta.

Ainda assim, o quanto ser uma dona de casa é natural se vê pelo fato de que leva pelo menos vinte anos de socialização – treinamento diário, executado por uma mãe não assalariada – para preparar uma mulher para essa papel, para convencê-la de que filhos e marido são o melhor que ela pode esperar da vida. Mesmo assim, isso dificilmente funciona. Não importa o quão bem treinadas somos, poucas mulheres não se sentem enganadas quando a noite de núpcias acaba e elas se encontram de frente com uma pia suja. Muitas de nós ainda têm a ilusão de que nos casamos por amor. Muitas de nós reconhecem que nos casamos por dinheiro e segurança; mas chegou o momento de deixar claro que, enquanto há muito pouco amor ou dinheiro envolvidos, o trabalho que nos espera é enorme. É por isso que mulheres mais velhas sempre nos dizem, “Aproveite a sua liberdade enquanto pode, compre o que quiser agora.”. Entretanto, infelizmente, é quase impossível aproveitar qualquer liberdade se, desde os primeiros dias de sua vida, você é treinada para ser dócil, servil, dependente e, mais importante, a sacrificar a si mesma e até mesmo ter prazer com isso. Se você não gosta é problema seu, sua falha, sua culpa e sua aberração.

Temos que admitir que o capital tem sido muito bem sucedido em esconder nosso trabalho. Ele criou uma verdadeira obra de arte às custas das mulheres. Negando um salário ao trabalho doméstico e transformando-o em um ato de amor, o capital matou muitos coelhos com um golpe só. Em primeiro lugar, conseguiu muito, muito trabalho quase de graça e garantiu que as mulheres, longe de lutarem contra isso, buscariam esse trabalho como se fosse a melhor coisa da vida (as palavras mágicas: “Sim, querida, você é uma mulher de verdade”). Ao mesmo tempo, também disciplinou o trabalhador homem, fazendo “sua” mulher dependente de seu trabalho e de seu salário, e confinou-o nessa disciplina ao lhe dar uma serva, depois que ele mesmo tanto fez servindo à fábrica ou ao escritório. Na verdade, nosso papel como mulheres é sermos as servas desassalariadas, mas felizes e, acima de tudo, amorosas, da “classe operária”, isto é, aquela camada do proletariado para a qual o capital foi forçado a dar mais poder social. Da mesma maneira que Deus criou Eva para dar prazer à Adão, o capital criou a dona de casa para servir ao trabalhador física, emocional e sexualmente, para criar seus filhos, costurar suas meias, consertar seu ego quando é despedaçado pelo trabalho e pelas relações sociais (que são relações de solidão) que o capital reservou para ele. É precisamente essa combinação peculiar de serviços físicos, emocionais e sexuais que está implicada no papel que as mulheres devem executar para o capital que cria o caráter específico da servente que é a dona de casa , que torna seu trabalho tão pesado e ao mesmo tempo tão invisível. Não é uma coincidência, portanto, que a maior parte dos homens comece a pensar em se casar assim que conseguem seu primeiro emprego. Isso não acontece somente porque agora eles podem sustentar um casamento, mas porque ter alguém em casa que cuide de você é a única condição para não enlouquecer depois de um dia em uma linha de montagem ou uma mesa de escritório. Toda mulher sabe que é isso o que ela deveria fazer para ser uma mulher de verdade e ter uma casamento “de sucesso”. E, também nesse caso, quanto mais pobre a família, maior a escravidão da mulher, e não simplesmente em razão da situação monetária. Na verdade, o capital tem uma política dupla, uma para a família de classe média e outra para a proletária. Não é acidental que encontremos o machismo menos sofisticado na última: quanto mais golpes um homem recebe no trabalho, mais sua esposa deve estar treinada para absorvê-los, mais se permite que ele recupere seu ego às custas dela. Você espanca sua esposa e direciona sua raiva contra ela quando está cansado e esgotado pelo trabalho ou quando é derrotado em uma luta (mas trabalhar em uma fábrica já é uma derrota em si mesma). Quanto mais o homem serve e é mandado, mais ele manda. A casa de um homem é seu castelo e sua esposa tem que aprender: a esperar em silêncio quando ele está mal humorado, a ajudá-lo a se recompor  quanto ele não está bem e amaldiçoa o mundo, a se virar de um lado para o outro na cama quando ele diz “estou muito cansado hoje” ou quando ele é tão rápido na hora de fazer amor que, como uma mulher disse, ele poderia muito bem ter feito com um pote de maionese. As mulheres, no entanto, sempre acharam maneiras de contra-atacar ou se vingar deles, mas sempre de uma maneira isolada ou privatizada. O problema, então, se torna como fazer essa luta passar da cozinha ou do quarto para as ruas.

Essa fraude que atende pelo nome de amor e casamento afeta a todas nós, mesmo se não somos casadas, porque se o trabalho doméstico é totalmente naturalizado e sexualizado, uma vez que ele se torna um atributo feminino, todas nós, como mulheres, somos caracterizadas por ele. Se é natural fazer certas coisas, então se espera que todas as mulheres as façam e até gostem de fazê-las – mesmo aquelas mulheres que, por sua posição social, podem escapar de parte desse trabalho ou de quase todo, porque seus maridos podem pagar empregadas e psiquiatras, e podem aproveitar várias formas de relaxamento e diversão. Nós podemos não servir um homem, mas estamos todas em uma relação de servidão com a totalidade do mundo masculino. É por isso que ser chamada de mulher é um rebaixamento tão grande, uma coisa tão degradante “Sorria, querida, o que há de errado com você? é algo que todo homem se sente no direito de te perguntar, seja ele seu marido, ou o homem que recebe seu bilhete no trem, ou seu chefe no trabalho.

 

A perspectiva revolucionária

            Se partimos dessa análise, podemos ver as implicações revolucionárias da exigência de salários pelo trabalho doméstico. É a exigência pela qual nossa natureza acaba e nossa luta começa, porque simplesmente querer salários pelo trabalho doméstico quer dizer recusar esse trabalho como expressão de nossa natureza, e, portanto, recusar precisamente o papel feminino que o capital inventou para nós.

Pedir salários pelo trabalho doméstico vai, por si só, minar as expectativas que a sociedade tem em relação a nós, já que essas expectativas – a essência de nossa socialização – são todas funcionais para a nossa condição de não-assalariadas no lar. Nesse sentido, é absurdo comparar a luta das mulheres por salários pelo trabalho doméstico à luta dos operários na fábrica por mais salários. O trabalhador assalariado na luta por mais salários desafia seu papel social, mas continua encerrado nele. Quando lutamos por salários pelo trabalho doméstico, lutamos sem dúvidas e diretamente contra nosso papel social. Da mesma maneira, há uma diferença qualitativa entre as lutas do trabalhador assalariado e as lutas do escravo por um salário contra essa escravidão. Deve ficar claro, no entanto, que quando lutamos por um salário, não lutamos para entrar em relações capitalistas, já que nunca estivemos fora delas. Lutamos para destruir o plano do capital para as mulheres, que é um momento essencial daquela divisão de trabalho e poder social no interior da classe trabalhadora, pela qual o capital conseguiu manter sua hegemonia. Salários pelo trabalho doméstico, assim, é uma exigência revolucionária não porque, por si mesma, destrói o capital, mas porque força o capital a reestruturar as relações sociais em termos mais favoráveis para nós e, consequentemente, mais favoráveis à unidade da classe. Na verdade, exigir salários pelo trabalho doméstico não quer dizer que, se formos pagas, continuaremos a fazê-lo. Quer dizer precisamente o oposto. Dizer que queremos salários pelo trabalho doméstico é o primeiro passo no sentido de recusar esse mesmo trabalho, já que a exigência do salário torna nosso trabalho visível, o que é a condição mais indispensável para começar uma luta contra ele, tanto em seu aspecto imediato como trabalho doméstico quanto em seu aspecto mais pérfido como feminilidade.

Contra qualquer acusação de “economicismo”, devemos lembrar que dinheiro é capital, ou seja,é o poder de controlar a força de trabalho. Portanto, nos reapropriarmos desse dinheiro que é o fruto do nosso trabalho – do trabalho de nossas mães e avós – quer dizer, ao mesmo tempo, minar o poder do capital de extrair mais trabalho de nós. E não deveríamos desconfiar do poder do salário para desmistificar nossa feminilidade e tornar visível nosso trabalho – nossa feminilidade como trabalho – uma vez que a ausência de um salário tem sido tão poderosa em moldar esse papel e esconder nosso trabalho. Exigir salários pelo trabalho doméstico é tornar visível que nossas mentes, corpos e emoções foram todos distorcidos para uma função específica, em uma função específica, e então nos foram devolvidos como um modelo ao qual devíamos todas nos adequar se quiséssemos ser aceitas como mulheres nessa sociedade.

Dizer que queremos salários pelo trabalho doméstico é expor o fato de que o trabalho doméstico já é dinheiro para o capital, que o capital fez e faz dinheiro quando cozinhamos, sorrimos e transamos. Ao mesmo tempo, mostra que cozinhamos, sorrimos e transamos ao longo dos anos não porque era mais fácil para nós do que para qualquer outra pessoa, mas porque não tínhamos nenhuma outra escolha. Nossos rostos ficaram distorcidos de tanto sorrir, nossos sentimentos se perderam de tanto amar, nossa hiperssexualização nos deixou completamente dessexualizadas.

Salários pelo trabalho doméstico é apenas o começo, mas sua mensagem é clara: daqui em diante, eles tem que nos pagar, porque como mulheres não garantimos mais nada. Queremos chamar de trabalho o que é trabalho, para que eventualmente possamos redescobrir o que é amor e criar nossa sexualidade, que nunca conhecemos. E, do ponto de vista do trabalho, podemos exigir não apenas um salário, mas muitos salários, porque temos sido forçadas a realizar muitos trabalhos de uma vez só. Somos donas de casa, prostitutas, enfermeiras, psiquiatras; é essa a essência heroica da esposa que é celebrada no “Dia das Mães”. Dizemos: parem de festejar a nossa exploração, nosso suposto heroísmo. Daqui em diante, queremos dinheiro por cada momento desses, para que possamos recusar alguns deles e, eventualmente, todos eles. A esse respeito, nada pode ser mais efetivo do que mostrar que nossas virtudes femininas já têm um valor calculável em dinheiro: até hoje só para o capital, ampliado na medida em que éramos derrotadas; daqui em diante, contra o capital e para nós, na medida em que organizamos nosso poder.

 

A luta por serviços sociais

            Essa é a perspectiva mais radical que podemos adotar porque ainda que possamos pedir tudo, creches, igualdade de pagamento, lavanderias de graça, nunca atingiremos nenhuma mudança real a não ser que ataquemos nosso papel feminino nas suas raízes. Nossa luta por serviços sociais, isto é, por melhores condições de trabalho, será sempre frustrada se primeiro não estabelecermos que nosso trabalho é trabalho. A não ser que lutemos contra sua totalidade, nunca conseguiremos vitórias em relação a nenhum de seus momentos. Vamos falhar na luta por lavanderias de graça, a não ser que primeiro lutemos contra o fato de que não podemos amar, a não ser às custas de um trabalho sem fim, que dia após dia mutila nossos corpos, nossa sexualidade, nossas relações sociais, e a não ser que antes escapemos da chantagem pela qual nossa necessidade de dar e receber afeição é virada contra nós como uma obrigação de trabalho, pela qual constantemente nos sentimos ressentidas com nossos maridos, filhos e amigos, e culpadas por esse ressentimento. Conseguir um segundo emprego não muda esse papel, como anos e anos de trabalho feminino fora de casa demonstraram. O segundo emprego não apenas aumenta nossa exploração, mas simplesmente reproduz nosso papel de diferentes formas. Para onde quer que nos viremos, podemos ver que os empregos que as mulheres ocupam são meras extensões da condição de dona de casa em todas as suas implicações. Não só nos tornamos enfermeiras, empregadas, professoras, secretárias – todas funções para as quais somos bem treinadas em casa –, mas estamos na mesma situação que impede nossas lutas em casa: isolamento, o fato de que as vidas de outras pessoas dependem de nós e a impossibilidade de ver onde nosso trabalho começa e termina, onde nosso trabalho termina e nosso desejo começa. Levar o café para o seu chefe e conversar com ele sobre seus problemas no casamento é o trabalho da secretária ou um favor pessoal? O fato de que temos que nos preocupar com nossa aparência no trabalho é uma condição desse trabalho ou o resultado da vaidade feminina? (Até recentemente, aeromoças nos Estados Unidos eram periodicamente pesadas e tinham que estar constantemente de dieta– uma tortura que todas as mulheres conhecem – por medo de serem demitidas.) Como se diz frequentemente, quando as necessidades do mercado de trabalho assalariado exigem sua presença ali, “Uma mulher pode fazer qualquer trabalho sem perder sua feminilidade”, o que simplesmente quer dizer que não importa o que você faça, você ainda é uma “vadia”.

Quanto à proposta da socialização e da coletivização do trabalho doméstico, alguns exemplos serão suficientes para distinguir entre essas alternativas e nossa perspectiva. Uma coisa é criar creches da maneira que queremos e então exigir que o Estado pague por ela. Outra coisa bem diferente é entregar nossos filhos para o Estado e pedir que o Estado os controle não por cinco, mas por quinze horas por dia. Uma coisa é organizar comunitariamente de que maneira queremos comer (por nós mesmas, em grupos) e então exigir que o Estado pague por isso, e é o oposto pedir ao Estado que organize nossas refeições. Em um caso, reconquistamos algum controle sobre nossas vidas, no outro estendemos o controle do Estado sobre nós.

 

A luta contra o trabalho doméstico

            Algumas mulheres dizem: como salários pelo trabalho doméstico vão mudar as atitudes de nossos maridos em relação a nós? Nossos maridos não vão esperar as mesmas tarefas que antes, e ainda mais, quando formos pagas por elas? Mas o que essas mulheres não veem é que eles podem esperar tanto de nós precisamente porque não somos pagas para trabalhar, porque eles assumem que é “uma coisa de mulher” que não nos custa muito esforço. Os homens podem aceitar nossos serviços e aproveitá-los porque presumem que o trabalho doméstico é fácil para nós, que gostamos dele, porque o fazemos por amor. Na verdade, eles esperam que sejamos gratas porque, ao casarem ou morarem conosco,eles nos deram a oportunidade de nos expressarmos como mulheres (isto é, servi-los). “Você tem sorte de ter encontrado um homem como eu”, eles dizem. Apenas quando os homens enxergarem nosso trabalho como trabalho – nosso amor como trabalho – e, mais importante, nossa determinação de recusar ambas as coisas, eles mudarão suas atitudes em relação a nós. Apenas quando centenas e milhares de mulheres estiverem nas ruas dizendo que limpar infinitamente, estar sempre emocionalmente disponível, trepar quando mandadas por medo de perder nossos empregos é um trabalho difícil e odioso que desperdiça nossas vidas, eles ficarão assustados e se sentirão enfraquecidos como homens. Mas isso é a melhor coisa que pode acontecer a eles de seu próprio ponto de vista, porque,ao expor a maneira como o capital nos manteve divididos (o capital os disciplinou por meio de nós, e nós por meio deles – cada um contra o outro), nós – as suas muletas, as suas escravas, as suas correntes – abrimos o processo da sua libertação. Nesse sentido, salários pelo trabalho doméstico vão ser algo muito mais educativo do que tentar provar que podemos trabalhar tão bem quanto eles, que podemos ter os mesmos empregos. Deixamos esse esforço válido para a “mulher de carreira”, a mulher que escapa da sua opressão não pela força da unidade e da luta, mas pelo poder do senhor, o poder de oprimir – normalmente outras mulheres. E nós não temos que provar que podemos superar a barreira do trabalho manual. Muitas de nós quebraram essa barreira muito tempo atrás e descobriram que os macacões não nos davam mais poder que os aventais; a maior parte do tempo, nos davam até menos, já que agora tínhamos que usar os dois e tínhamos ainda menos tempo e energia para lutar contra eles. As coisas que temos que provar são nossa capacidade de expor o que já estamos fazendo como trabalho, o que o capital está nos fazendo e nosso poder de lutar contra isso.

Infelizmente, muitas mulheres – especialmente mulheres solteiras – têm medo da perspectiva de salários pelo trabalho doméstico porque têm medo de se identificarem mesmo que por um segundo com a dona de casa. Elas sabem que essa é a posição mais fraca na sociedade e não querem perceber que elas também são donas de casa. É precisamente essa a nossa fraqueza, enquanto nossa escravização é mantida e perpetuada por essa falta de autoidentificação. Queremos e temos que dizer que somos todas donas de casa, somos todas prostitutas, somos todas lésbicas, porque enquanto aceitamos essas divisões e pensamos que somos superiores, diferentes de uma dona de casa, aceitamos a lógica do senhor. Somos todas donas de casa porque não importa onde estejamos, eles podem sempre contar com mais trabalho de nossa parte, mais medo de fazer nossas demandas e menos pressão do que eles deveriam sofrer, já que presume-se que nossas mentes estejam voltadas para outro lugar, para aquele homem em nosso presente ou futuro que irá “tomar conta de nós”.

E também nos iludimos de que podemos escapar ao trabalho doméstico. Mas quantas de nós, apesar de trabalhar fora de casa, escaparam dele? E podemos realmente desconsiderar com tanta facilidade a ideia de viver com um homem? E se perdermos nossos empregos? E quanto a envelhecer e perder até o mínimo poder que a juventude (produtividade) e a beleza (produtividade feminina) nos garantem hoje? E quanto aos filhos? Vamos algum dia nos arrepender de termos escolhido não os ter, não tendo mesmo conseguido colocar a questão de um modo realista? E podemos sustentar relações homossexuais? Estamos dispostas a pagar o possível preço do isolamento e da exclusão? Mas podemos realmente sustentar relações com homens?

A questão é: porque são essas as nossas únicas alternativas e que tipo de luta nos levará além delas?

Tradução para o português brasileiro diretamente de edição na língua original (inglês), feita de forma voluntária pelo Coletivo Autonomista!. Texto retirado de Revolution at Point Zero: Housework, Reproduction, and Feminist Struggle. PM Press, 2012.
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2012



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